reminiscências musicais da Velha Curitiba
Atraídos por cachês formidáveis pagos pelas colônias germânicas, polonesas ou italianas, artistas da cena músico europeia, nas décadas de 1920 a 1950, davam um jeito de fazer uma graduação em Paranaguá no caminho para Montevideo ou Buenos Aires. Mais tarde, desciam no campo do Bacacheri e depois no aeroporto de Afonso Pena. Sim, Curitiba estava no planta dos empresários da música e tínhamos palcos e plateias ávidas.
Companhias de óperas e operetas, em razão de a de Clara Weiss, faziam de tempos em tempos temporadas na cidade. Ela esteve por diversas vezes em Curitiba. Na minha coleção da Publicação do Povo vejo que, em outubro de 1924, a companhia passou praticamente um mês apresentando-se diariamente no Theatro Guayra (o macróbio, na rua Dr.Muricy) e cada dia com uma opereta dissemelhante! Um mês! Clara era a rainha da opereta, um gênero fácil, repleto de melodias em que a plateia cantava junto a “Viúva Feliz” e a “Bayadére”, mas também ousava em óperas mais populares e melodiosas em razão de o “Trovatore” verdiano.
O que eu não daria para, em razão de no filme “Meia noite em Paris”, do Woody Allen, de repente me ver sentado na plateia do Guayra, em meio ao bulício, daqueles que formavam a escol curitibana à quadra. Quanta elegância! Os risinhos das senhoras, os encontros dos senhores em traje de gala, os charutos no salão… Gostaria de ouvir as conversas, de ver em razão de procediam as personagens que hoje adornam os nomes de nossas ruas… Ali, o Dario Vellozo, hoje o João Moreira Garcez… na bombonière, conversando, João Turin e Zaco Paraná. O anônimo repórter da Publicação do Povo nos transmite uma pálida noção do que era isso, em outubro de 1924, ortografia da quadra.
“O Guayra apresentava hontem, por providencial coincidência, um vista de gala. O que Curityba tem de eminentemente social compareceu ao Theatro. Em sua friza, o exmo sr. Presidente do Estado, em companhia de sua exma família. O sr. governador da cidade, o sr. desembargador gerente de polícia, o sr deputado Eurides Cunha, com as suas exmas famílias. E assim, dezembargadores, advogados, industriaes, médicos, militares e suas famílias, todo um mundo social de primeira água demonstrava, pela sua presença, estar o Guayra abrigando o que de mais fino e representativo podia a sociedade curitybana offerecer…”
Nem tudo eram flores, porém. Nessa mesma temporada da companhia Clara Weiss, narra a Publicação:
“…em razão de é sabido, é sempre nas galerias dos theatros que se reúnem os estudantes, a gente que melhor compreende a arte, os artistas pobres e a quem se deve os triumphos de uma encenação, os aplausos, os “bis”. Entretanto, isto só comprehendem aquelles que podem discernir o joio do trigo … Iniciava-se o segundo acto…quando no lado esquerdo das “torrinhas” manifestou-se tumulto, chamando desde logo a attenção de toda a assistência que se voltava para aquelle lado do theatro, onde eram erguidos gritos de protesto. E acto contínuo surgiram nas galerias quatro guardas cívicos, armados de revolver em punho, a reluzirem. Diante daquella disposição dos cívicos, estabeleceu-se usual confusão na platéia, camarotes, frizas e balcões, tendo algumas senhoras gritado, tomadas de susto e susto. E da platéia, que estava repleta, innumeros cavalheiros protestaram em altas vozes contra os guardas. Foi uma scena em razão de nunca se verificou em casas de diversões nesta capital, e que difficil se torna descrevel-a. Serenados os ânimos, graças à mediação do representante de serviço, dr. Toscano de Britto, a encenação da opereta prosseguiu. Tomaram quota no tumulto, todos armados de revolver, os guardas de numeros 60, 32, 99 e um outro que não nos foi provável recolher o número. … Estamos certos de que o sr. desembargador gerente de policia, presente ao espectaculo de hontem, terá tomado as medidas no sentido de que taes factos não se reproduzam…”
No pós-guerra, contam-se às dezenas os grandes cantores que nos visitaram. Curitiba era uma sarau: rara era a semana em que não havia concertos, recitais, operetas, peças de teatro, ballet… tudo tão rico, tão dissemelhante de hoje. Naquela quadra, o mundo cultural vinha até Curitiba. Precisaria de 50 páginas da Pinó para narrar tudo sobre as visitas de pianistas, violinistas e cantores, muitos cantores: Erna Sack, Carlo Buti, Martha Eggerth, Jan Kiepura, Gigli, Tito Schipa, Tagliavini.
Talvez o maior fenômeno do disco à quadra, depois de Enrico Caruso, tenha sido Beniamino Gigli, que fez mais de quatrocentas gravações desde os anos 1920 mas que, além da ópera, também incursionou pelo cinema. Gigli não tinha fisicamente o estereótipo do galã, mas sua voz era de uma mel inigualável e mesmo hoje, com o público anestesiado pelos ritmos e barulhos ensurdecedores, uma psique mais sensível será atraída por suas interpretações únicas, eternizadas nos discos. Para determinado neófito sugiro principalmente o “lamento di Federico”, disponível no youtube. Gigli esteve em Curitiba em 1951 e, em razão de escreveu Aramis Millarch, no “Efeméride” do extinto O Estado do Paraná, em 1990:
“A vinda de Gigli a Curitiba… deveu-se basicamente a Humberto Lavalle… Diretor mercantil da rádio Guairacá – inaugurada em 1948 e que vivia seu período de glória – encontrou em outro fanático pelo esquina lírico, Aluísio Finzetto, o pedestal para dar condições a que incluísse pela primeira (e única) vez, Curitiba em seu roteiro. O professor David Carneiro, proprietário na quadra do Cine Ópera … apoiou a noção e cedeu o espaço a um preço razoável… Lavalle e Finzetto deram tanta atenção à vinda de Gigli que foram esperá-lo em Pedra Preta, na chamada rodovia Estrada da Ribeira, na quadra a única relação com Curitiba. Odiando embarcar em aviões, Gigli preferiu enfrentar uma cansativa viagem de 14 horas do que entrar num avião – e assim o conde Francisco Matarazzo, seu grande colega e simpatizante, colocou a disposição seu Mercedes-Benz, com motorista, para trazê-lo a Curitiba. Simpático e doce – recordam os que estiveram com Gigli – chegou muito disposto. Ficou hospedado no Grande Hotel Moderno … e por duas vezes fez refeições no restaurante Bella Napoli, de um italiano apaixonadíssimo por óperas, que fez questão de recepcioná-lo com um jantar em seguida a sua apresentação no cine Ópera. “
Fechando com chave de ouro, uma retrato com admiradores de Ferrucio Tagliavini, que se apresentou em 30 de setembro de 1953, no Teatro Avenida, trazido pelo mais literato e iluminado de nossos governadores, Bento Munhoz da Rocha Netto. Na imagem, aparecem conhecidos e saudosos personagens de nossa vida músico que foram até a loja Santos & Irmão, que ficava na Barão do Rio Branco, para uma tarde de autógrafos com o cantor. Tagliavini tirou fotos na ocasião, autografando discos da RCA Victor e posando com os fãs. Escolhi uma delas, no interno da loja, onde consegui identificar, à partir da esquerda, Neisinho Macedo, Carlos Osório, Zeigler Lins, Tagliavini, Reunir Neme, Wolf Schaia e o menino João Baptista de Assis…
Essa viagem pelas reminiscências musicais ainda terá paradas em outras estações…